segunda-feira, 5 de junho de 2017

As lições do regime




Há livros que se devem ler pelas circunstâncias que os precedem. A Denúncia é um desses.
A leitura deste conjunto de contos vem esclarecer no leitor alguns detalhes de um país cujo retrato geral já está traçado e, por esta via, acaba exacerbado e não contrariado.
A ideia final que se leva do livro acerca da Coreia do Norte é a mesma com que se chega, a de um mundo distópico digno de ficção, com um grau de ilusão interna que o empurra para a bizarria patética.
As circunstâncias ditam que as expectativas para o livro não sejam do foro documental, antes do foro anímico.
Quer-se a divulgação de algo mais raro, a paleta de emoções e pensamentos de um habitante daquele que nos parece o mais extravagante país possível.
Uma série de momentos em que haja a possibilidade de ver a emoção a escapar para a página de forma em que autor e narrador se confundam.
Essa expectativa é contrariada pelo facto dos contos serem escritos com um objectivo que a cada final deve ser alcançado: a revelação da crueldade do regime dinástico da Coreia do Norte.
Há que vincar no leitor uma ideia, sempre a mesma, do receio permanente que se vive perante o erro - e muitas vezes o erro alheio, de um familiar - pois a condição do cidadão perante o regime está perto da aleatoriedade.
Nem a fidelidade de uma vida inteira nem a inocência da infância são motivos que impeçam o julgamento mais severo e a condenação como traidores. Cada conto vai vincar a percepção da crueldade absurda daquele país.
O título do livro é mais do que preciso, a denúncia não é o acto de que todos os personagens têm receio, é também o objectivo de cada um dos textos aqui publicado.
O uso dos textos com tal propósito confirma uma outra expectativa - ou, de forma honesta, preconceito - que se esperava ver contrariada, a da pouca relevância literária dos textos.
Não que tal se refira à simplicidade da escrita que, a crer no exemplo d' A Vegetariana, é próprio da cultura das Coreias, e muitas vezes um benefício para o leitor.
Trata-se de ver que a estrutura dos textos tem algo de primário, assente em formas que vêm ainda de uma tradição de narrativa que propicie a divulgação oral a público que não parece ter capacidade para um entendimento do subentendido.
Daí que as emoções sejam transmitidas de uma forma exagerada, própria do melodrama. A tristeza não é um estado de alma, é uma actuação física de choro, gritos e arracar de cabelo.
O mesmo se vê no recurso regular a uma caracterização de contos de fadas, associações que tornam as figuras declaradamente boas ou más, sem qualquer uso de recursos mais subtis.
As limitações de Bandi enquanto escritor(a) revelam elas próprias bastante da sua vivência, deixando perceber uma falta de contacto com material literário inovador que lhe permita procurar estruturas narrativas menos lineares.
São parcos os recursos com que Bandi pode trabalhar a ficção e por isso se nota de forma bastante clara de que as narrativas são casos reais.
Tudo no livro se torna num ensinamento sobre o mais severo regime político do nosso tempo, daí que a leitura se justifique como um complemento vindo directamente do interior da Correia do Norte, só não proporciona a satisfação que um livro deve ao leitor.


A Denúncia (Bandi)
Alfaguara
1ª edição - Setembro de 2016
240 páginas

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