A distopia parece ter-se tornado num género banal como suporte - e atractivo - para qualquer intenção literária.
Com Samuel Pimenta não é diferente. Ele não está interessado em pensar o Futuro, o que ele quer é uma composição rápida e facilmente identificável do Presente.
Uma metáfora onde possa explanar as suas angústias e que não precise de mais do que uma fachada erguida a partir de ideias que já nada têm de original.
Sofre de uma falta de domínio do que cria, um mundo com trezentos anos de erradicação de nomes onde não se encontra um personagem (numa população de milhões, pelo menos) definida por um número com mais de quatro dígitos, ainda que nascidos com décadas a separá-los.
Daí resulta tão incosistente a lógica da tirania que o protagonista afronta onde se apagam os nomes das linhas de Metro mas se deixa o seu código de cores, que proporcionaria um nome oficioso para as mesmas e que com isso contraria a lógica da execução.
Uma confusão de elementos que podem parecer ter os mesmos resultados mas não comungam dos mesmo princípios de controlo.
Retirar os nomes a tudo - de países a pessoas - é de um domínio logístico avassalador que quer uniformizar o mundo para melhor o controlar por via de uma obediência corporativa.
Perseguir gatos vadios e as pessoas que os acolhem é de um grau muito mais específico e de um esmagamento cruel da afeição humana que é muito mais lógica para um domínio de nichos.
Perante esta variação, o problema está afinal em pensar que o autor quer falar sobre formas de controlo do indivíduo.
Não fará sentido tal já que, num mundo onde se incentiva a vigilância dos vizinhos, basta inserir o seu próprio número de identificação (ou o de outra pessoa, no caso de não se ter a permissão...) para aceder a qualquer pedaço de informação confidencial.
Esta falta de segurança seria tosca numa história situada nos tempos correntes. É ridícula numa visão de um mundo distópico e autoritário e ajuda a perceber uma falha mais grave do autor.
Enviar a história para um Futuro próximo em que tudo é muito similar ao mundo em que vivemos e com alguns elementos - pouco desenvolvidos - que o alteram é, ao contrário do que poderia parecer, uma revelação da falta de imaginação.
Por um lado o autor não consegue descolar do que conhece e com isso trazer alguma riqueza para a história de Um Nove Um Seis que torne o protagonista mais pertinente do que as falhas do mundo em redor.
No seu preciso inverso, foi incapaz de expressar as suas ideias como sintomas do mundo actual, numa história que pudesse acontecer connosco, em vez de fugir para uma realidade não sujeita a escrutínio de verosimilhança.
Não haverá melhor exemplo do que a equação de Deus que, numa visão redutora, parece só servir para que os seus seguidores cedam dinheiro e se mantenham em sossego.
A este vacilante Futuro junta-se o pouco investimento na trama, esquemática porque existe em função da parábola do indivíduo com que Pimenta quer caucionar os seus leitores para as vidas que levam.
Uma atrocidade quando isso resulta em cenas de má composição que só têm de levar a história por diante. Cenas imberbes, vítimas eventuais dos propósitos "filosóficos" do livro, mas que deixam a sensação de um certo desprezo pelo género: a inspiração não precisaria de conhecimentos adicionais.
Só que essa inspiração não é uma presença detectada ao longo de todo o livro. A abertura e o remate do livro lêem-se como tendo sido escritos em conjunto e à parte do restante.
Resultado de inspiração, o princípio e o fim do livro buscam uma verve poética que talvez os sirva bem tendo em vista o estímulo à reflexão a que estão destinados.
O resto do livro abdica dessa linguagem para obter uma de maior funcionalidade. Só que esta deixa claro o esforço de criação, tanto das ideias que constituem o miolo como da própria forma despojada que as expressa - e que parece pouco natural ao autor.
Ao acabar o livro ficou por apresentar ao leitor um Futuro. Ficcional, claro, mas também o de um escritor capaz de fazer de um género uma ferramenta adaptada às suas ideias.
Os Números que Venceram os Nomes (Samuel Pimenta)
Marcador Editora
1ª edição - Setembro de 2015
176 páginas
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