Quem queira estar atento descobrirá que há mais do que entretenimento despretensioso em Inferno no Vaticano.
A preocupação de Flávio Capuleto não é a criação de um thriller de temática religiosa que possa competir com os bestsellers que por aí pululam.
O seu objectivo com este livro é ponderar e convidar os leitores a fazê-lo. Que o utensílio para tal seja um género literário chamativo é um aproveitamente inteligente do panorama actual das livrarias.
Em torno de ouro mantido escondido pelo Vaticano o autor dá voz a duas correntes opostas sobre o que fazer com esses valores: usá-los para resolver os problemas da "Crise" ou guardá-lo para que a Igreja se mantenha.
A lita entre elas no plano físico, que envolve conspirações e assassinatos, vem companhada pela luta no plano intelectual à medida que o Papa é chamado a uma decisão.
Embora seja difícil acreditar que o Vaticano tenha pisos subterrâneos repletos de ouro, a existência de riquezas secretas - sem existência física - não é difícil de conceber no seio do Istituto per le Opere di Religione.
A discussão tem, por isso, razão de ser como tema mais premente em comparação com organizações que guardam a linhagem de Cristo ou psicopatas com agendas de poder.
Os lobbies em torno de um Papa disposto a mudar alguma coisa na actuação da institutição a que preside constituem matéria mais lógica para um thriller capaz de se explanar para uma preocupação externa ao domínio da ficção.
Contribui para ambos esses planos - embora possa haver algo de involuntário nisso - a forma como Flávio Capuleto tinge com imperfeições ambas as facções ao invés de reduzir a concepções de "Bem" e "Mal" aqueles que querem usar o tesouro para a causa social e aqueles que com ele querem preservar o estatuto do Vaticano, respectivamente.
Os primeiros pretendem salvar a Europa do flagelo do desemprego e pagar as dívidas soberanas excessivas. Como que esquecem o resto do mundo e defendem um continente onde o Catolicismo tem cada vez menos expressão mas que permanece o garante da influência política do Vaticano.
Os segundos vêem o mundo em crise e pretendem que a riqueza se mantenha intacta para a Igreja prevalecer como até aí. O poderio económico não é, contudo, em exclusivo para confortos pessoais, também para a preservação cultural da Igreja (que é do Mundo, igualmente) e para a continuação da caridade em larga escala como é feita na actualidade.
Sem vilões declarados o livro mostra o difícil que é atingir o meio termo exacto entre tais ideias.
Esta concepção bipolar da situação que ajuda a assentar na realidade o livro não é o que de mais interessante - literariamente - ele tem.
Esse título vai para uma outra situação de dicotomia: numa trama com tanto de moral a intensa sensualidade do livro é um desafio irreverente.
Não se tratam apenas das cenas mais memoráveis do livros, são os capítulos mais bem escritos - algo de importante quando há prémios literários de "mau sexo" - e à medida que o livro progride ocupam mais espaço do que a própria investigação - que por pouco não é resolvida fora das páginas do livro, demonstrando inequivocamente que não é esta que vem em primeiro plano nos intentos do autor.
Capítulos que constituem um outro "aviso" às instâncias religiosas, de que o corpo tem uma preponderância igual à da alma na vida moderna.
Inferno no Vaticano (Flávio Capuleto)
Guerra & Paz
1ª edição - Janeiro de 2014
280 páginas
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