Andrea Camilleri percebeu que o mundo da alta finança é material de primeira para um romance irónico. Sobretudo quando esse mundo se cruza com o mundo das paixões tresloucadas que dá cabeçalhos sangrentos que vendem abundantemente.
Colocar os dois ao mesmo nível é uma forma de ridicularizar o mundo financeiro, mostrando que também este é feito de casos de promiscuidade (entre a banca e empresas), de adultério (entre directores e oportunidades de conseguir dinheiro em negócios paralelos) e de sangramentos (dos seres humanos pelas corporações anónimas).
Uma forma de mostrar, também, o quão sedentos de podridão andam tanto os que lêem ambos os tipos de jornalismo.
Isso é comum ao mundo inteiro, mas certamente é mais acentuado num país que teve Berlusconi como primeiro-ministro que misturou o abuso do poder com os escândalos sexuais. Dele para baixo, a mistura só podia ir tornando-se mais promíscua e é o próprio Camilleri a reconhecer que as personagens que criou foram facilmente inspiradas pelas crónicas judiciais italianas.
A Intermitência não é só isso, nem se esgota numa visão crítica do nosso vizinho europeu. Trata-se de um romance de acasos e reviravoltas, onde todos usam golpes baixos contra quem querem como parceiros de cama.
O calculismo é uma arma sempre à mão, mas as tolices da paixão são os grandes móbiles para que em vários momentos tal arma tenha de ser usada.
Camilleri nunca é um deus simpático com as suas criaturas, por isso não lhes permite que sejam somente elas a dominarem sobre as outras.
Aquele que julga ter vencido - e não vale a pena acreditar na experiência acumulada, pois há surpresas para lá da expectativa do lugar-comum de histórias como esta - não tem direito a continuar a sorrir quando lançou todos os outros para um mar de lágrimas onde acabarão afogados.
A economia italiana é uma questão vexante pela qual a sociedade quer um castigo severo. E Camilleri serve-lhes esta apetitosa vingança literária.
Esta é, no fundo, a forma substancial de contar a história em que uma mamma saída de uma igreja e sentindo-se abençoada por Deus despeja um prato de pasta na cabeça de Berlusconi. O que nunca aconteceu e constitui um enredo ridículo admito.
Já a forma como Camilleri imagina a vingança do destino sobre a canalhada é de uma admirável elevação que faz mais danos às reputações das figuras que aqui são representadas do que os reais ataques a tais protagonistas.
Aos leitores dará, também, mais prazer, embora admita que para os que expressam mais activamente a indignação com tais situações tal prazer não chegue a dar consolo.
A Intermitência (Andrea Camilleri)
Bertrand Editora
Sem indicação da edição - Julho de 2011
184 páginas
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