Esta é uma história em que pouco acontece de efectivo, visto que a ausência é aquilo que atormenta a protagonista.
A ausência de explicação para a ausência de uma irmã cujo destino é parte do mistério emocional que enfrenta Rosemary.
Durante uma fracção significativa do livro temos de crer, sem mais, que essas ausências por si só explicam que a protagonista se envolva num caso alheio que é, sobretudo, caricato.
Rosemary agarra-se à rapariga (abusadora) com quem interage em cima de uma mesa de café para crer na sua capacidade de manter uma relação humana.
Não fosse a história que nos conta a do seu próprio falhanço no mundo depois do um ponto de partida conturbado, uma família altamente disfuncional.
A esse ponto de partida Rosemary só chegará mais adiante na sua narrativa, depois de a começar a meio como lhe recomendaram em criança por falar demais.
Essa estratégia de narração é um trunfo para o interesse em seguir a história, com o suspense da descoberta das verdades por detrás do que nos conta Rosemary.
Não fosse a esperta quebra de linearidade e esta rapariga pouco expedita e sem capacidade de análise dos seus próprios sentimentos seria nada mais do que uma irritante figura percorrendo uma sequência de comportamentos arbitrários.
O mistério é aquilo com que o livro responde à necessidade de elevar a banalidade da vida interior de uma desajustada.
Surge a revelação, ainda o livro vai na sua primeira parte mas já a história de Rosemary vai enredada, de que a irmã de Rosemary era uma gorila.
Acontece que se esta estranha relação de cinco anos e o seu desfecho (silenciado pela psique de Rosemary) definem a identidade de uma mulher até à idade adulta, então tal deveria manifestar-se de forma mais intensa.
Karen Joy Fowler prefere manter a sua personagem central na eminência de mais um desvendar de mistérios, em vez de a confrontar com o que foram os anos em que disputou a admiração dos pais com uma jovem gorila.
A autora mantem os seus leitores em suspenso para conseguir ter uma aproximação de uma estrutura pela qual avance o livro.
O que verdadeiramente deveria estar em suspenso era a compreensão de si mesmo feita por Rosemary, numa retoma do sentido das suas memórias desligadas e ocultas - algo a que a autora parece querer dar forma concreta com o recurso à estrutura da narrativa.
A verdadeira tarefa de Fowler era a de sustentar a personalidade da sua protagonista, o que se mostra incapaz de fazer.
Depois da revelação da identidade da irmã de Rosemary, a autora passa a recorrer com excessiva frequência a conclusões de estudos científicos realizados com símios.
Delas devem tirar-se ilações sobre como a relação entre Rosemary e Fern esbateu as fronteiras entre homem e animal da primeira. E de como isso resultou na sua existência disfuncional.
Os relatórios substituíram-se à autora que parece ter sido incapaz de levar a bom termo um esforço que parecia estar bem encaminhado.
Em vez de titubeante na sua existência, Rosemary acaba por parecer incompleta na sua elaboração. Um personagem com um passado inesperado a que faltam os detalhes mais específicos.
Rosemary nunca poderia ser confundida com uma pessoa!
Pelo contrário, seria interessante sabê-la confundida com uma gorila, talvez a par de uma gorila confundida com uma pessoa.
Um retrato de família, em vez da sua ausência, em que a disfuncionalidade vinha dos papéis que esta permitia que as suas filhas assumissem, dentro e fora de casa.
Estamos perante um dos problemas essenciais do livro. Aquele com que faz parelha é a própria escrita da autora.
Karen Joy Fowler procura enriquecer o texto com palavras que valem pela sua esparsa utilização, não conseguindo com isso evitar algumas confrangedoras tiradas que nem num romancista em estreia se esperaria ver.
Podemos resumir os problemas do livro a um caso de compensações. Os relatos científicos compensando o que a autora não consegue estabelecer na sua protagonista e as "palavras caras" compensado as frases em que a autora não consegue escapar ao clichê.
Estamos Todos Completamente Fora de Nós (Karen Joy Fowler)
Clube do Autor
1ª edição - Maio de 2015
324 páginas
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