Sabemos que a componente romanceada da vida de Jacques Coeur o tornou mais interessante do que o seu percurso tenha sido quando olhado objectivamente.
Como confessa Jean-Christophe Rufin, esta é a vida de Coeur que ele próprio sonhou ao passar a sua infância junto ao que foi um dos locais marcantes para aquele homem do século XV.
Por mim prefiro-a assim, uma história extrapolada pelo talento e que permite conhecer a personagem antes de lhe distinguir os traços frios com que a História o deixou.
Simples será ler outros textos para destrinçar a ficção da verdade nesta obra. Difícil seria embrenhar-me sem feroz espírito crítico no trabalho de imaginação de Rufin caso já conhecesse o que ele representava à sua época.
Este Jacques Coeur é um velho homem acossado por perseguidores que no seu refúgio se entrega uma última vez ao seu Passado.
Uma revisão pessoal do seu percurso mas também uma preservação do seu testemunho sobre o papel na História que se preparam para lhe negar.
Consciente da sua própria significância mas não arrogante para lhe chamar grandeza, mas sobretudo um homem que não queria ser esquecido. Nada mais humano.
Como humano é o sublinhado de que Jacques Coeur, apesar de tudo o que conquistou como comerciante e de tudo o que ajudou a concretizar como financiador político, falhou em igual medida.
Fosse porque sonhou demais e com isso conseguiu mais do que aqueles que acreditavam terem nascido com os direitos que ele alcançou.
Fosse porque foi bondoso demais com aqueles que o interpretavam como arrogância de quem podia exibir o dinheiro que lhes faltava
Fosse porque com uma inocência patriótica se dispôs ao seu rei e no mesmo instante lhe evidenciou o quanto o seu soberano lhe poderia tirar.
Afinal Coeur, o burguês, era capaz de comprar velhos castelos sem préstimo a membros da corte para garantir que estes mantivessem as aparências.
Se os mantinha era para cumprir com uma visão de infância de um mundo que ele admirava sem inveja e que acreditava dever ser preservado apesar da ascensão da sua própria classe.
Ao mantê-los irava os que aceitavam o seu dinheiro e afastava-se daqueles que com ele partilhavam o esforço da ascensão social. Um homem isolado, numa classe própria.
Essa é a realidade que o livro nos transmite com precisão, a de um homem que não teve quem se lhe equiparasse.
Um homem que na Idade Média se aproximava do Iluminismo por via do comércio. Nee se vê um homem do nosso tempo global.
Coeur viu na abertura das vias de comércio uma forma de enriquecer, claro!, a par de uma forma de ligar o mundo desconhecido àquele que habitava.
Proporcionar ao seu povo os produtos extraodinários de que outros já usufruíam. E, para tal, proporcionar a si mesmo a hipótese de conhecer o mundo.
Investigar os países com que e as rotas por onde fazer comércio para as instalar e, depois, refazer o percurso para controlá-las.
Entregando a gestão diária dos negócios a pessoas da sua confiança livrou-se do fardo e permitiu-se cumprir com os desejos pessoais e com as visões grandiosas que tinha para a França.
Apenas a má vontade alheia acabaria por o condenar indevidamente por ter conseguido cumprir muito mais do que outros conseguiriam sequer pensar.
A obra não torna Jacques Coeur perfeito mas admira-o com natural emoção que se transmite com facilidade na empolgante mas delicada escrita de Jean-Christophe Rufin.
O Grande Jacques Coeur (Jean-Christophe Rufin)
Porto Editora
1ª edição - Julho de 2014
416 páginas
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