As datas, as datas nos dois extremos do seu serviço militar. O que quer que sucedesse entre elas era enfeite e ar, e não mudaria o sítio ao qual ela iria dar.
Está na página 222 o trecho acima, que me parece o momento fulcral para este livro e para compreender as suas personagens.
A história de um conjunto de amigas, adolescentes e israelitas, que têm de ir cumprir o serviço militar e que durante todo esse período se mantém como até aí.
E como até aí é como para a maioria das adolescentes: despreocupadas, inocentes, divertidas, namoradeiras, irreverentes.
Para elas o serviço militar é um período como o da escola, um período de regras e constrangimentos no qual devem conseguir fazer valer a sua personalidade.
O espírito adolescente não admite vergar-se ao peso da responsabilidade, crê que é o contrário que acontecerá, que bastará continuar a ser como sempre foi para atravessar o período que vai contra o seu natural descomprometimento.
Shani Boianjiu tratou cada uma das suas personagens individualmente, sendo cada uma das adolescentes única e convincente.
As vozes são distintas mas partilham o que é comum à idade - vivacidade com um ou outro momento de angústia, dúvida resolvida seguindo adiante - e isso aproxima cada personagem das outras.
Afinal cresceram como amigas e separaram-se apenas por obrigação. Cada uma no seu posto leva uma porção da mesma essência, deixando o seu comportamento individual perceber as diferenças que cada uma já tinha dentro de si mas, também, do cenário onde foram parar.
Revistas diárias e atentados eminentes, expressão real dos ódios de muitas décadas que vêm de antes delas e que depois delas permanecerão. Ainda que elas pareçam ignorá-lo, em parte.
Pelos olhos delas as relações que criam com os Palestinianos ou os Egípcios podem conter um grau de simpatia e bondade.
Não conseguem compreender que aos olhos alheios, envergando aqueles uniformes elas já não são as raparigas de olhos simpáticos de outrora, são inimigos armados e prepotentes.
O maior dos feitos da autora é o de conseguir alcançar a magníficência das existências de cada uma das suas personagens, capazes de nos fazerem esquecer da duas realidade em que servem.
Perante isto, o trecho da páginas 222 reforça o seu papel essencial de revelação do livro. Não porque seja verídico, mas porque define a ilusão que elas - e nós, leitores, que somos seduzidos pela alegria destas raparigas - acarretam quase até ao final.
Até ao final... do serviço militar... do livro.
Até àquela indesejada surpresa que deveria ser a mais esperada das consequências.
A lembrar que nenhuma realidade em que tudo se confronta - a idade com a obrigação, um povo com outro, a inocência com o horror - pode deixar incólumes aqueles sobre os quais se abate.
Nem estas raparigas, que durante tanto tempo e contra a pior realidade do seu serviço militar, se mantiveram o maravilhoso desabrochamento das suas exitências.
Por mais surpreendente que seja no momento da leitura, torna-se na única expectativa realista que poderia haver para a ideia concreta do que é um serviço militar imposto indiscrimidamente a todas as pessoas ao atingirem os 18 anos.
Na verdade, de entre todos os que cumprem o serviço militar em Israel, talvez sejam mesmo as raparigas que a ele melhor "sobrevivem", com um salutar descomprometimento pessoal para com ele.
A autora consegue o mais difícil, impôr a maldade no último momento da história sem que tal pareça uma cena de efeito-choque.
Acreditamos no que acontece a estas raparigas, como acreditámos nelas durante todo o livro. Seguimos adiante mas ficamos com pena do que aconteceu a estas personagens que foram pessoas concretas durante tantas páginas.
O Povo da Eternidade não tem Medo (Shani Boianjiu)
Alfaguara / Editora Objectiva
1ª edição - Agosto de 2013
368 páginas