segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Melhor humorado

De entre as colaborações de James Patterson com outros escritores, este parece ser aquele em que o parceiro conseguiu contaminar o livro com uma personalidade própria, tornando-se num verdadeiro aliado e não numa escritor completista.
A Amante marca uma variação ao estilo de livros que o autor produz, o que evita que se lhes assemelhe em demasia, pelo que isso deve assinalar-se desde logo.
Há intricada conspiração que começa com um homem a ver o alvo da sua paixão a tombar da janela de casa e termina com encobrimentos no interior da Casa Branca.
Pelo meio há trocas de identidade, o envolvimento das agências governamentais, escândalos sexuais, chantagens políticas e um plano para manobrar os Estados Unidos da América num ressurgimento da divisão mundial em superpotências.
Para que o exagero da trama sempre condensada na individualidade do protagonista se afaste do que é típico de Patterson conta que o livro não seja apenas um entretenimento descomplexado mas que se leve a sua história com uma distanciada ironia.
Afinal, acrescenta-lhe uma dose de comédia do absurdo que vem do cerne do seu protagonista.
Um sujeito que passa tanto tempo a ser um eficaz repórter como a deixar-se absorver pela informação inútil acumulada na sua mente.
O facto dessa característica lhe advir de um duvidoso passado que envolve a passagem por instituições de saúde mental acaba por tornar a leitura  adicionalmente interessante pois não há um heróismo simplista e ridículo.
A moralidade é duvidosa de forma transversal, como se lê desde o início quando o protagonista invade a casa da sua paixão para lá colocar cãmaras escondidas... a pedido dela.
O pessoal e o político entram em rota de colisão do jornalista online e correspondente da Casa Branca que se apresenta sempre ao estilo dos heróis do cinema.
Estilo que faz um bom par com as muitas referências cinematográficas que ele cita - que no início são algo irritantes mas depois se tornam apropriadas visto que não só contribuem para o humor intrínseco ao personagem como reforçam a ideia da construção da trama com a roupagem e o ritmo de um filme.
Afinal a referência mais óbvia é Absolut Power, filme de Clint Eastwood em que ele próprio é um ladrão que testemunha o assasinato da amante do Presidente.
Para finalizar há que dizer que a história acerca de Franklin Delano Roosevelt - seja verdadeira ou apenas um mito - que este livro actualiza e complexifica era boa demais para não ser(vir à) ficção. Também por aí este livro faz sentido com divertida irreverência.


A Amante (James Patterson e David Ellis)
Topseller
1ª edição - Junho de 2014
352 páginas

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

América, personagem

Galveston começa com o estabelecimento de um cenário que se poderá quase considerar um clichê do noir.
Um homem de mão de um mafioso de Nova Orleães coloca-se em fuga depois do que parece ter sido um atentado à sua vida mandatado pelo homem a quem responde.
Consigo leva uma prostituta cuja vida salvou e que não passa de uma jovem rapariga perdida na vida.
As personagens soam como os arquétipos do género e correndo estrada fora parecem destinados a uma variação mais dentro do género.
Isso muda depois de Nic Pizzolatto esboçar o seu cenário, económico e reconhecível.
Afinal, na peugada destes dois vai o medo que eles sentem. Se alguém para além desse sentimento não o sabemos.
Juntos não dão por si atraídos um para o outro, ele sujeito à pulsão para com um corpo jovem, ela sujeita à segurança de um corpo gasto.
Nem sequer vão sozinhos, Roy o homem à procura de redenção e Rocky a rapariga à procura de aceitação.
A irmã dela, Tiffany, junta-se-lhes e é Rocky quem se coloca numa situação periclitante, arrancando-a às garras do seu padastro à força de bala.
O que eles percorrem é a América esquecida, procurando um lugar onde eles próprios possam assim permanecer.
O seu refúgio é um motel em Galveston onde as pessoas não estão de passagem. Lá vive uma comunidade de inadaptados - um adjectivo mais simpático do que o mais instintivo falhados.
Logo a comunidade vê em Tiffany a hipótese de se recuperar, de produzir alguém de bom que possa dali recuperar e retornar à sociedade.
Cuidam dela, apaparicam-na, chegam a levá-la à praia - que está logo ali mas parece tão distante do motel no Texas como um qualquer destino paradisíaco do outro lado do mundo!
Roy adquire confiança de que pode confiar àquela gente as duas raparigas, mesmo se o passado delas vem para atormentar o idílio (à escala do que o cenário pode oferecer).
Todos os passados podem, afinal, ser apagados quando se chega a um novo local. Só a perspectiva do que virá interessa quando se está perdido no coração da América.
Para Roy o que virá é um cancro prestes a matá-lo. E com ele a vontade de deixar um legado que recupere a sua imagem para si próprio: um futuro, não para ele, mas para elas as duas.
Claro que sabemos que não será bem assim, pois as prolepses que nos trazem de 1987 ao presente dizem-nos que Roy permanece vivo e carregando o tormento da sua sobrevivência - não só psicológico mas também físico.
Não sabemos o que terá acontecido mas sabemos que a história daquela fuga terá um desfecho tormentoso. Tal como a tempestade que em 2008 se encaminha para Galveston promete tudo destruir!
Roy não pôde selar a sua vida num momento de redenção antes de uma morte precoce e dolorosa como talvez ache que merece.
Afinal, como leremos, o passado não pode ser reescrito por vontade exclusiva dos que o carregam. Há que garantir que os à sua volta o apoiam e nem todos são como as duas irmãs encatadas pela pureza de Tiffany.
Roy tem de recorrer aos seus talentos antigos enquanto Rocky vai escorregando de novo para o papel a que ele pensava tê-la afastado.
Nesse momento ficamos com a certeza que Nic Pizzolatto escreve a essência da América neste noir. Um banho de sangue para uns para que outros possam ter direito ao seu naco de esperança.
Nem mesmo esse corte brutal com o passado evita que a ilusão do futuro deixe uma dúvida na sua origem.
Roy sabe-o e espera que o passado o reencontre. Teme que seja o passado que reclama a sua vingança, espera que seja o passado que lhe deve um agradecimento.
Pela pena de Nic Pizzolatto toda esta história é voraz e imparável, escrita numa vertigem que emula a velocidade alimentada pela mistura de receios e vícios dos seus personagens.
As personagens são como são e tomam decisões como quem não tem opções nem pode hesitar. As razões ficam para quem tem tempo de parar para pensar. Aqui só podem agir e seguir adiante.
Nic Pizzolatto faz valer o seu estilo e escreve na senda de Raymond Chandler, reconhecendo que é o espírito do conjunto (e do tempo e do lugar) que interessa e que sai como grande personagem do seu livro.


Galveston (Nic Pizzolatto)
Editorial Presença
1ª edição - Fevereiro de 2015
240 páginas

sábado, 1 de agosto de 2015

Não excita

O título nacional deste livro de Karen Dolby engana o leitor. A sua formulação complexa sugere bem mais do que a verdade do seu título original, History's Naughty Bits.
Nesse outro título está toda a verdade sobre esta ser uma compilação de detalhes picantes sobre aqueles que ao longo da História foram sujeitos àquilo que hoje se chamaria atenção mediática.
Isso só se torna evidente a partir do quarto capítulo, todo ele dedicado aos Excessos da Realeza.
De facto é um excesso a atenção que a autora dá à quantidade de amantes tidas pelos reis e, sobretudo, os reis de Inglaterra.
Além da autora ter vistas geograficamente curtas - talvez não esperando que o seu livro se vendesse para lá do país original de publicação - a sua selecção de interesses sexuais nem sempre tem o efeito titilante que procurava.
Claro que é interessante saber que os reis alemães, influenciados pela moda real de Inglaterra e França, tinham de assumir amantes públicas e ora as escolhiam gordas e baixas ou altas e magras mas sempre feias (por terem pouco uso para elas...) ao ponto de serem gozados por isso.
Só que o foco não está nessa forma global de como a sexualidade se expressava nas cortes Europeias, está sempre nos pequenos casos individuais.
Associados a uma escrita sempre dividida numas crónicas breves (de duas páginas no máximo) e com o seu relato que quer ser mais evocativo do que preciso, fica-se com a sensação de estar a ler uma coluna de mexericos dos séculos passados.
Esta sensação não é perpétua, mas como se forma no capítulo que é o âmago do livro, espalha-se pelo que vem depois e, pior, pelo que veio antes.
Antes desse capítulo sobre a realeza, o livro até parece ir de encontro ao seu título português, pondo em evidência os equívocos que são até aos dias de hoje usados para descrever a sexualidade na Grécia Clássica ou de como foi sendo feita, ao longo da História, a assepsia das ruas dedicadas à prostituição, não só na presença das trabalhadoras do sexo mas igualmente nos nomes que indicavam a que se dedicavam as pessoas ali.
Neste último tema já há indícios de uma dedicação à cultura anglófona cuja consciência vai sendo mitigada por informação mais abrangente e que não se fica no domínio da prostituição, vai também ao amor inconcretizado que os cavaleiros expressavam em textos ou actividade física às suas amadas.
Depois do capítulo sobre a realeza há ainda lugar aos fetiches, à homossexualidade (e a sua perseguição) e, finalmente, ao papel da mulher.
São capítulos cada vez mais curtos porque cada vez menos "picantes". A seriedade dos temas, pelo contrário, deveria suscitar um maior fluxo de informação.
A autora não parece ter feito uma pesquisa intensiva, antes correndo atrás dos detalhes mais óbvios, seja da condenação de Oscar Wilde ou da invenção do vibrador para tratar a Histeria Feminina.
Claro que há sempre informação que não se conhecia e detalhes surpreendentes, o que não significa que a leitura alimente o intelecto.
Se era para ser esta coluna de revelações sexuais informativa e não de exploração - ou, pelo menos, exploração detalhada - valia a pena escandalizar o leitor pela súbita consciência de que todas as revoluções sexuais surgiram do esquecimento a que as anteriores foram condenadas.
A verdade é que, na forma como está feito, este livro não excita!


O Sexo ao Longo dos Tempos: Debaixo dos Lençóis da História Universal (Karen Dolby)
Vogais
1ª edição - Outubro de 2014
224 páginas